quarta-feira, setembro 22, 2010

Televisão de Cachorro

Eu perco horas babando sem saber que se o galo morreu não foi por mim...

segunda-feira, setembro 20, 2010

The Dark End Of The Street

At the dark and of the street... the dark and sad end of the street

Sympathetic Character

I have as much rage as you have

I have as much pain as you do

Fala

Eu não sei dizer nada por dizer então eu escuto

Se você dizer tudo que quiser então eu escuto

How The West Was Won And Where It Got Us

The story is a sad one told many times...

The story of my life in trying times...

Are You Still Mad?

Off course you are...

domingo, setembro 19, 2010

sábado, setembro 11, 2010

quarta-feira, setembro 01, 2010

Cut Here

"Ainda vou me tornar um mestrede um novo gênero literário: o silêncio".
Isaac Bábel

"Quando desligaram os aparelhos, a família vacilou, mas acabou doando os órgãos para transplante. As córneas de Leonardo foram parar num rapaz cego de outra cidade, que voltou a ver a vida como ela é; o coração continuou a bater no peito de um senhor desenganado de 59 anos; a mão direita rumou para o toco maneta de um executivo sem escrúpulos; o fígado resolveu a falência de irrigação de um menino melancólico que reviveu instantes de esperança e o rim passou a filtrar as toxinas que infernizavam as entranhas de uma mulher em estado terminal.

A resolução da mãe foi determinante: não poderia contrariar as ordens expressas do filho. Hospitais & médicos comemoraram; as famílias, nem é preciso dizer: exultaram, borbulharam copos de prazer; a obstinação da Ciência tinha enfim derrotado a Ira Divina.

Ah, sim, a perna esquerda apareceu no corpo de um rapaz recém-triturado no mar pela hélice de um motor de popa. O corpo de Leonardo repartiu-se em muitas vidas, mas houve rejeições, como é natural nesses casos, são as regras inexplicáveis de um mundo falível, mas nada que uma química plena e farta não pudesse resolver com um mínimo de adestramento.

Como se sabe, da mesma maneira que o mundo cria os limites da existência, o homem se encarrega de gerar seus próprios atalhos. Pois a vida é assim mesmo. Por mais que queiramos causas e efeitos, as reações não correspondem necessariamente às ações e obedecem aos meios mais ilícitos, zombando da representação trivial e consequente do mundo. As revelações se dão nas esquinas mais improváveis do tempo, onde a convexidade da atmosfera se funde com a concavidade da matéria. É nessas encruzilhadas que maltratamos um animal, traímos a confiança dos amigos sem um motivo plausível ou nosso carro se esborracha na estrada para Teresópolis.

A história não é banal, se me permitem. O pai vivia repetindo para os amigos que seu filho não tinha ambição. Mas ele estava enganado: a única ambição de Leonardo era ser ninguém, era ser nada. Contudo, ele sabia que não ser nada era difícil; sempre tem alguém que insiste em distribuir méritos, um ou outro atributo positivo, sei lá, todo mundo tem algo que valha a pena na vida.

Leonardo tinha uma tese: o homem atrapalha pelo simples fato de existir. Por isso, não queria interagir, não queria interferir, achava a ação humana nefasta por definição. A única saída: anular-se, minimizar ao máximo sua presença na Terra, deixar que a roda do mundo completasse sua rota livremente. Tornar-se invisível, eis toda a lírica possível. O silêncio, a não ação, o doce entranhamento, a ternura estava justamente no vazio.

Nem protagonista, nem antagonista, Leonardo pretendia o aniquilamento como forma total & sublime de encontrar o absoluto. Para ele, a reação era uma maneira conservadora de preservar os mecanismos mais arcaicos do mundo.

Pré-socrático por natureza, Leonardo odiava adjetivos. Sua filosofia consistia em cristalizar os objetos no tempo & no espaço. Teriam que continuar imutáveis, sem que fossem flexionados ao sabor das intempéries.

Para ele, o adjetivo representava a ação mais torpe e autoritária do homem, com o objetivo de desvirtuar o real sentido da vida. Controvertido, impetuoso, diáfano, avassalador, poético, ambíguo, grandiloquente, viril, premonitório, sonhador, ambicioso, erótico, mágico. Para Leonardo, nada disso tinha valor ou importância. Sua cosmogonia era simples: a existência não admite intervenções de nenhuma ordem.

Com o tempo, porém, ele começou a abolir também os substantivos. O ser já não mais estava, desincorporara-se de vez, tinha virado nuvem, pó, vento, poeira, éter, fragmento de uma estrela antiga e morta que, por definição, já não brilha mais, pois Leonardo tinha matado inclusive os verbos.

Com isso em mente, no sentido de acelerar o processo, resolveu agir por conta própria: pisou fundo no acelerador e seu automóvel precipitou-se despenhadeiro abaixo: só teve a escuridão do coma pela eternidade de um mísero instante.

E foi nesse fragmento de trevas que ele vislumbrou toda a vida que não teria.

Aliás, o estado vegetativo, como se diz, é apenas uma provocação às plantas. O homem é muito estúpido, se acha superior em tudo. Quando subiu na escala alimentar, mastigando a carniça que o tigre-dentes-de-sabre deixava nas pradarias, ele não imaginava a roubada em que estava se metendo: as toxinas da carne ativaram o cérebro, que começou a pensar, e virou um predador.

Vamos colocar as coisas da seguinte maneira: nada pode explicar um ato desses, a morte é uma coisa visguenta, pegajosa, indigna, absolutamente impossível; ela humilha, encolhe, ela ilumina a estupefação, estremece, distribui códigos de tortura; o assassino de verdade é escorregadio, volátil, um rato, um rato peludo com as patas em disparada entrando no primeiro buraco que aparece pela frente; ele avança dolorosamente até roçar as fronteiras do horror, lança-se na morte por mordedura, a morte mordida do rato; quando não há mais rato, o futuro cadáver se vê acua­do pela ausência, torna-se irredutível, torna-se infinito, pleno, cai-lhe a mordaça, então ele grita, mas ninguém ouve; o despojo humano – com o perdão da palavra! – explode em estilhaços e se torna igual a si mesmo, igual a seu silêncio.

O predador de si mesmo respira aliviado pela primeira vez, com a ilusão de ter assassinado o resto da Humanidade.

Não há rancor, não há o mínimo resquício de religiosidade ou satisfação, é um descampado, uma alameda sem árvores, sem sombra.

Mas deixemos isso de lado: vamos logo às alegorias de praxe: a mão de Leonardo acabou por estrangular a esposa infiel do executivo, o coração partiu-se em três ou quatro pedaços quando a jovem esposa do velho o deixou, o fígado do menino estourou numa cirrose hepática espetacular quando ele cresceu e percebeu a vida como ela é. Já o rim murmurou seus últimos momentos no corpo da mulher que esperava pela diálise na fila do hospital público. E as córneas... Na verdade, não se tem notícia do destino dessa imensidão leve, vazia por dentro e suave como uma criança, mas sabe-se que não deu em boa coisa, não.

A aflição foi enorme.

Tudo estava calmo e, de repente, a escuridão. O espírito do homem está em linha direta com sua alma, é difícil prever o que pode acontecer quando um homem vê através de outro homem, são janelas roubadas, são fendas meramente corporais que se corrompem com os anos, a criatura se fecha, há uma ingenuidade salgada & virgem, o langor nostálgico de um monarca destituído, toda a história do Universo se condensa em cristais de visão abissal.

Foi como um balão que subiu, subiu e incendiou-se perto das nuvens.

É compreensível, houve até algumas risadas.

Leonardo conseguira enfim provar sua tese, com distinção e brilho: o homem não dá certo nem depois de morto."

Furio Lonza é escritor, jornalista e dramaturgo, tendo publicado, dentre outros, 'Eric com o pé na estrada', 'Máquina de fazer doidos', 'As mil taturanas douradas', e 'História impossível'.